A MAIS BELA PRAIA DO BRASIL FICA NA AMAZÔNIA







Se a chegada a Santarém é por barco, o meio de transporte tipicamente amazônico, o visitante já antes do desembarque se depara com um dos espetáculos da natureza que tornam a cidade tão especial. Bem diante da área urbana de Santarém se dá o Encontro das Águas do maior rio do mundo, o Amazonas, com as da foz do Tapajós, um de seus maiores afluentes. A cidade fica na confluência dos dois gigantes. É uma paisagem exuberante, especialmente no pôr do sol.



Diferenças de densidade, velocidade e temperatura fazem com que os dois rios sigam juntos por quilômetros, sem que as águas verde-azuladas e límpidas do Tapajós se misturem com as de tonalidade barrenta do Amazonas. Em meio ao contraste das cores dos rios, trafegam catamarãs, canoas, lanchas, barcos de todo o tipo, ligando Santarém a cidades e comunidades remotas na floresta.



Nesse paraíso amazônico o turista se depara com praias, lagos, igarapés, árvores gigantescas, festas com raiz em lendas indígenas, um povo muito acolhedor e uma comida com sabor original. E ainda pode relaxar em Alter do Chão, praia que o jornal britânico The Guardian apontou como a mais bela do Brasil.



ALDEIA INDÍGENA



Segunda maior cidade do Pará, Santarém fica a 807 quilômetros de distância, em linha reta, de Belém (1.369 quilômetros por via fluvial), no oeste do Estado. De barco se leva em média 36 horas desde Manaus e três dias da capital, Belém. De avião, cerca de 1 hora, em vôos diários. É possível ir por estrada, embora as condições do pavimento não sejam as ideais. Por isso muitos motoristas preferem ir de avião e mandar o carro para Santarém por balsa.



Uma das cidades mais antigas da Amazônia, Santarém tem apenas 260 mil habitantes. Surgiu como aldeia dos índios Tapajós, em 1661, depois transformada em missão dos jesuítas. Ao ser elevada à condição de vila, em 1.758, os portugueses lhe deram o nome de Santarém em homenagem à cidade homônima de Portugal.



Aliás, o Pará é um dos Estados brasileiras onde a influência da colonização portuguesa é mais evidente, a começar pela designação das vilas e cidades: Belém, Alenquer, Óbidos, Aveiro, Faro, Bragança, Alter do Chão, Almeirim, e muitas outras batizadas como suas "irmãs" lusitanas. A maioria dos nomes portugueses substituiu os de origem indígena depois que o Marquês de Pombal baixou um decreto, em 1759, expulsando os jesuítas do Brasil. Depois, ele determinou que não mais fossem usados termos das línguas nativas.



Outro traço marcante de Santarém é a influência das várias tribos que povoavam a região na época da chegada dos colonizadores, especialmente no vocabulário, na culinária e em festas tradicionais como o Sairé, a mais antiga manifestação da cultura popular da Amazônia.



Santarém é também o resultado de muitos rios que lhe dão vida. Eles são o ponto de partida para se explorar a região e o cenário de lindíssimas praias na orla, a poucos minutos do centro, ou no balneário de Alter do Chão, vila distante 34 quilômetros.



No cais diante da avenida que acompanha o Tapajós, e que leva o nome do rio, logo se tem um panorama de como as coisas fluem na Amazônia. As embarcações são o principal meio de transporte, já que as estradas normalmente estão em estado precário por causa das chuvas e o combustível é muito caro na região. A variedade delas impressiona: barco a remo, canoa, lancha, lancha rápida, catamarã, miúdas, voadeiras, e por aí vai.



Diariamente, de manhã cedo e no fim do dia, dezenas de barcos de linha (geralmente, catamarãs) ali aportam para embarque e desembarque de passageiros e carregamento de todo tipo de mercadoria, de sementes e alimentos a eletrodomésticos e até motocicletas. É surpreendente a destreza com que os estivadores transportam caixas pesadas, de grande volume, sobre as pinguelas que ligam o cais ao barco. Os passageiros se acomodam em redes, próprias ou alugadas na hora, para viagens que podem levar várias horas ou dias.



Os catamarãs de linha costumam partir com os lugares tomados por ribeirinhos que vêm à Santarém fazer as compras básicas da família porque nos armazéns das vilas os preços são mais altos e nem tudo se acha.



Somente no município de Santarém são seis bacias hidrográficas: Amazonas, Arapiuns, Tapajós, Moji, Mojuí e Curuá-Una. E cada uma é uma porta de entrada para deslumbrantes passeios na mata, rios, igarapés ou praias, como também para conhecer a vida das comunidades ribeirinhas.



FLORESTA E BOTOS



O verão amazônico é o período entre agosto e janeiro, quando as águas baixam e praias de areia branquíssima emergem por toda a extensão das margens dos grandes rios, em meio a uma vegetação exuberante. Um passeio de barco pela orla de Santarém revela o Encontro das Águas e praias lindíssimas, como Carapanari, Aratâs e Ponta de Pedras – esta, com belas formações rochosas. A praia Ponta do Cururu é o local onde os botos rosa e tucuxi (cinza) costumam aparecer, especialmente no entardecer. Mas é preciso ter sorte, já que nem sempre eles são avistados. O panorama é esplêndido da Serra da Piroca. A caminhada pela mata até o topo leva uns 30 minutos, mas vale a pena o esforço. O melhor é ir no fim da tarde para ver o pôr-do-sol, aproveitando ainda a temperatura mais amena.



De janeiro a junho, o Tapajós, seus afluentes e igarapés estão cheios e as praias ficam submersas, mas esse período é o ideal para contemplar a exuberância da fauna e da flora. Nos lagos às margens do Rio Amazonas, a leste da cidade, durante as cheias pode se observar a vitórias régias e uma grande quantidade de pássaros.



A Floresta Nacional do Tapajós, localizada ao sul de Santarém, é passeio para todo um dia. Pode-se ir de barco ou de carro por uma estrada em boas condições, mas para entrar antes é preciso obter autorização do parque. No caminho por terra, que dura umas 2 horas, uma curiosidade histórica: a cidade de Belterra, construída pelo magnata americano Henry Ford no início do século passado para ser um dos núcleos de um fracassado projeto de plantação de seringueiras na região, da qual também fazia parte Fordlândia, situada mais ao sul, na Floresta. As ruas de Belterra são planejadas e as casas, de madeira, seguem o modelo rural dos Estados Unidos, com varandas, jardins, hidrantes.



Na floresta é possível hospedar-se na comunidade de Jamaraquá, de origem indígena, e fazer passeios a pé ou de canoa pela mata, que reserva surpresas como a Samaumeira, árvore que alcança 60 metros de altura. Guias locais conduzem o visitante em uma caminhada de 4 horas pela floresta, durante a qual se veem árvores centenárias e animais silvestres.





Dá para experimentar desde tucunaré preparado de vários modos a pratos típicos como tacacá e maniçoba. Na sobremesa, doce de cupuaçu ou sorvete de murici



Numa rápida caminhada desde o cais de Santarém chega-se ao mercado, na Avenida Tapajós, passeio essencial para se começar a perceber as peculiaridades do oeste do Pará. A peixaria impressiona pela diversidade e o tamanho dos pescados, incluindo o pirarucu, um dos maiores peixes de água doce do mundo (pode medir até 3 metros). Outras curiosidades para quem vem de outras regiões são as frutas da região e os ingredientes locais da comida paraense, como o tucupi (um caldo amarelo extraído da raiz da mandioca (no Pará, chamada de macaxeira), com o qual se prepara o tradicional pato no tucupi, uma das referências da culinária paraense.



Há lojas de artesanato no mercado e do centro da cidade, com destaque para cestaria em palha de tucumã, bolsas de palha, látex e couro, e cuias decoradas, entre outros objetos feitos por comunidades ribeirinhas. Também se pode comprar colares e enfeites provenientes de tribos indígenas, como os Wai-Wai. Quem se interessa por artesanato achará muita diversidade durante os passeios de barco, nas paradas nos vilarejos. Nas vilas da Bacia Amazônia, por exemplo, há peças feitas de palha, madeira, cerâmica, fibras, cipós.



A culinária, com forte influência indígena, é parte primordial do roteiro em Santarém. Além do pato no tucupi, os pratos regionais mais conhecidos são a maniçoba, o tacacá e o vatapá. O tacacá é um caldo grosso de origem indígena, servido muito quente em uma cuia. É preparado com tucupi, pimenta de cheiro, goma de mandioca, camarões e jambu, hortaliça conhecida também como agrião-do-Pará. A maniçoba, chamada de feijoada paraense, é feita com folhas de mandioca moídas e cozidas, carnes de porco e bovina, entre outros ingredientes.



O vatapá paraense difere do baiano. Não leva, por exemplo, azeite de dendê e amendoim. Um petisco muito saboroso é o bolinho de piracuí (com batata e farinha de peixe seco socada no pilão). Há também uma grande variedade de receitas de peixes com ingredientes típicos da Amazônia -- como o açaí com peixe frito -- e muitos sucos e sobremesas feitos com frutos do Norte. O doce de cupuaçu, sorvete de murici e suco de graviola são algumas das especialidades deliciosas.



No passeio pela cidade vale a pena visitar a Igreja da Nossa Senhora da Conceição, na praça da Matriz (onde há várias lojas que vendem redes de todo o tipo), o Centro Cultural João Fona, o Museu de Arte Sacra e o Museu Dica Frazão, que expõe vestuário criado pela artesã Dica Frazão, feito de fibras naturais, palha de buriti, sementes, raízes e outras matérias-primas da Amazônia. A cidade tem ainda casarões antigos, no estilo colonial português.



CARIBE DA AMAZÔNIA TEM PRAIA, LAGO E FLORESTA

Alter do Chão também tem como atrativo a maior manifestação folclórica da Amazônia, a festa do Sairé



No Brasil, quando uma entidade ou grupo de amigos se dedicam a fazer uma lista das praias mais linda do País, normalmente a votação é direcionada só para os 8 mil quilômetros do litoral e ninguém se lembra das preciosidades fluviais. Não foi o que fez o diário britânico The Guardian. Ao eleger em abril de 2009 as 10 praias mais lindas do Brasil, o jornal não teve dúvidas: colocou no topo da lista a paraense Alter do Chão, balneário situado a apenas 34 quilômetros de Santarém, da qual é um distrito.



No caminho entre Belém e Manaus, Alter do Chão é a "resposta da floresta ao Caribe", escreveu o correspondente do Guardian no Brasil, Tom Philips.



O balneário é um dos maiores pólos turísticos da Amazônia e, no entanto, ainda é pouco visitado pelos brasileiros de outras regiões. O acesso é por barco, de duas a três horas pelo Rio Tapajós, ou por uma rodovia em boas condições, num trajeto de meia hora de carro desde Santarém. Para quem vem em embarcações turísticas de Manaus no sentido de Belém, ou vice-versa, a parada em Alter do Chão é um dos principais atrativos do passeio.



As praias ficam submersas no inverno amazônico, como é chamado o período das cheias, que vai de janeiro a junho. A partir de agosto começam a despontar nas águas azul-esverdeadas do Tapajós centenas de praias de areias branquíssimas. E surge em Alter do Chão uma península de areia clara como a neve, com árvores e os quiosques do verão. O forte contraste com o verde escuro da densa vegetação ao redor é um prazer a mais para quem se refresca nas águas cristalinas ou aproveita para descansar tomando água de coco ou sucos típicos paraenses numa das barraquinhas, saboreando tira-gostos regionais, como o bolinho de piracuí.



Bem em frente à Alter do Chão, o represamento natural das águas do Tapajós forma o Lago Verde dos Muiraquitãs, de água quente, contornado por faixas de areia branca e fina. Ao longo do dia a cor da água oscila entre o verde e o azul. São essas tonalidades e a brancura da areia que fazem lembrar a paisagem do Caribe, com a vantagem de que em Alter do Chão a grandiosidade da floresta está ali do lado.



FESTA DO SAIRÉ



Um motivo a mais para se conhecer Alter do Chão é a festa do Sairé, a mais antiga manifestação da cultura popular da Amazônia, realizada na segunda semana de setembro. São quase 300 anos de tradição. É uma celebração religiosa mesclada com lendas indígenas, fincadas no mito amazônico do boto encantado.



Antes da colonização portuguesa a região era habitada pelos índios boraris. No início do século 18 os jesuítas instalaram na aldeia Borari a Missão de Nossa Senhora da Purificação, que passou a chamar-se Alter do Chão depois que o governo de Portugal expulsou essa companhia religiosa do Brasil e determinou que os nomes dos lugares seguissem os de topônimos portugueses (a Alter do Chão "original" é uma vila do Alentejo).



A festa era inicialmente um baile indígena, dançado em roda. Durante a catequese os jesuítas incorporaram elementos do catolicismo e, com o tempo, foram sendo agregados outros aspectos da cultura popular, como o carimbó e as vestimentas.



O Sairé atual dura cinco dias, de quinta a segunda-feira, tendo como ponto inicial uma procissão e o carregamento de dois mastros, um levado por homens e o outro, por mulheres. Nos cinco dias ocorrem as celebrações religiosas, com procissões e ladainhas, e os eventos profanos, com destaque para os shows musicais e apresentações folclóricas.



Em 1997 foi incorporada à festa a disputa entre os botos rosa e tucuxi, como forma de divulgar essa lenda indígena e ampliar a participação popular no evento. E essas apresentações folclóricas são hoje o ponto alto do Sairé. Na praça ao lado do Sairódromo são armadas barracas onde se reúnem nos cinco dias de festejos os moradores locais e de comunidades ribeirinhas, como também milhares de turistas que lotam os hotéis da vila e de Santarém.



Este ano a exibição dos grupos folclóricos começou às 23h30 do sábado, em 12 de setembro, e se encerrou depois das 3 da madrugada. Todo ano os dois grupos se apresentam em um espaço para espetáculos em Alter do Chão, conhecido como Sairódromo, ao som de músicas no ritmo do carimbó. Cada um deles representa um dos botos. Com o apoio de enormes carros alegóricos, e sempre dançando, o participantes desfilam fantasiados de índios, rainha do Lago Verde, princesas, caboclas, boto, pajé e outros personagens de lendas amazônicas.



A platéia, lotada, é dividida em duas arquibancadas opostas. Uma peculiaridade da festa é que quando um dos grupos – rosa ou tucuxi – se apresenta, ovacionado por sua torcida, a arquibancada que defende o outro lado tem de permanecer quieta, sem vaiar ou aplaudir, do contrário prejudica seu boto na nota final dos jurados.



A encenação do mito do boto, tendo como ponto alto a dança da sedução, é realizada num palco armado diante do local onde ficam os jurados. Diz a lenda que um boto encantado se transforma à noite em um lindo homem para seduzir as moças que vivem nas comunidades às margens do rio. Sempre usa roupa branca e escolhe as jovens mais bonitas do lugar, que ficam grávidas. O grupo que conseguir encantar mais representando essa lenda, vence o Sairé.



A apresentação do boto cor-de-rosa venceu o Sairé de 2009 numa disputa acirrada: obteve 939 pontos contra 938 dados ao grupo do boto Tucuxi.

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