Tony Tyler
Há
menos de dois meses, celebramos o centenário do primeiro voo comercial,
que ocorreu entre as cidades de St. Petersburg e Tampa, no Estado da
Flórida, no dia 1° de janeiro de 1914. A partir desse pequeno passo, a
aviação comercial evoluiu para o sistema global de transporte aéreo que
vai conectar, com segurança, 3,3 bilhões de viajantes e 52 milhões de
toneladas de carga aéreo neste ano. Essa atividade é uma força motriz do
crescimento econômico, cria empregos e facilita as oportunidades de
negócios. Em termos de valor, mais de um terço dos bens comercializados
internacionalmente são entregues via aérea, e em torno de 57 milhões de
pessoas ganham a vida na aviação. No Brasil, a aviação e o turismo
sustentam quase 1 milhão de empregos e contribuem com 1% do PIB.
Apesar
do valor que proporciona, a indústria da aviação é um negócio muito
difícil, com margens inadequadas, comparativamente, para atrair os
investimentos necessários a fim de podermos atender à demanda crescente
de conectividade. E aquilo que vale numa escala global também vale aqui,
onde as companhias aéreas enfrentam muitos dos mesmos desafios.
Acabei
de voltar de Brasília, onde discuti várias questões com autoridades do
alto escalão do governo para facilitar o desenvolvimento sadio da
aviação no Brasil. Isso inclui melhorias regulatórias, construindo a
conectividade e a gestão de nossos impactos ambientais.
Melhorias regulatórias
A
aviação é uma indústria altamente regulada. Isso não surpreende. A
regulamentação da segurança é a pedra fundamental da indústria. No ano
passado as companhias aéreas realizaram, em equivalência estimada, o
transporte de toda a população da América do Sul oito vezes. E fizemos
isso com uma média de menos de um acidente grave a cada 2,5 milhões de
voos.
A
padronização global adotada para a segurança de voo é um bom modelo
para todas as formas de regulamentação. Infelizmente, eu estou
preocupado com o fato de que, cada vez mais, os governos estão se
distanciando dos padrões e das melhores práticas globais. O resultado é
uma crescente fragmentação das normas e a deterioração no sistema de
transporte aéreo global. Esse problema existe no Brasil, também.
Direitos do passageiro
As
empresas aéreas e os reguladores querem que os passageiros cheguem a
seu destino na hora certa e sem incidentes. As aéreas são muito
incentivadas nessa área. As margens são pequenas e a concorrência está
acirrada. Nenhuma viação aérea pode suportar a perda de clientes que
lutou para conquistar. E elas não podem arcar com os custos de atrasos
ou cancelamentos.
É
perfeitamente compreensível que os governos queiram estabelecer algumas
garantias mínimas para proteger os passageiros. Mas não é isso que está
ocorrendo. Cerca de 50 países já implantaram regimes de direitos para
passageiros. E o resultado é – honestamente – uma bagunça. Em alguns
casos, as regras são tão complexas que resultam inexequíveis. Em outros,
elas entram em conflito umas com as outras. E, na pior das hipóteses,
são tão rígidas que as empresas aéreas não podem tomar as medidas extras
para ajudar seus passageiros.
O
Brasil está entre os países que pensam em introduzir novas regras de
direitos do passageiro. Nós agradecemos fazer parte do processo da Anac.
Para nós, a consulta com as partes interessadas é extremamente
importante. E já comunicamos ao governo, por exemplo, que apoiamos a
garantia aos passageiros de que tenham acesso claro e transparente aos
termos e às condições da passagem aérea antes da compra, pois isso faz
parte dos princípios centrais da indústria relativos à proteção ao
consumidor.
Nós
enfatizamos que deverão ser previstos a remarcação, o reembolsos e os
cancelamentos de forma clara, como parte do contrato de cada empresa
aérea, mas ele não deve ser padronizado. O mercado deverá permitir que
haja uma variedade de serviços, para poder enfrentar a concorrência.
E
insistimos na aderência à Convenção de Montreal, a qual o Brasil
assinou e homologou em 2006, para poder manter uma responsabilidade
global consistente e regimes de bagagens para viajantes internacionais.
Não
existe uma fórmula mágica para ter ótimos regulamentos que sejam
totalmente livres de consequências inesperadas. Mas existem alguns
princípios que, creio, oferecerem uma boa orientação:
• Faça uma consulta ampla, incluindo a indústria e os consumidores;
• Garanta um processo rigoroso para a análise dos custos e dos benefícios de qualquer novo regulamento;
• Não entre em conflito com padrões globais existentes;
• Busque a harmonização para que os regulamentos não contrariem a indústria global, e
• Finalmente,
pense no que realmente vai beneficiar o passageiro. Responsabilizando
as empresas aéreas por compensações em situações em que um atraso é
causado por fatores além do controle da companhia vai elevar suas
despesas sem tratar das questões básicas de capacidade e, em longo
prazo, aumentará os custos de viagem aérea para os consumidores.
Conectividade
Existe
enorme potencial não aproveitado no Brasil. Mas para alcançar esse
potencial o governo precisa ver a aviação como facilitadora do
crescimento econômico e da criação de empregos, e não um luxo que
deveria ser tributado como se fosse um pecado.
Na
verdade, o Brasil é um lugar muito caro para as empresas aéreas
trabalharem. De fato, segundo o Relatório sobre a Competitividade de
Viagens e Turismo do Fórum Mundial Econômico de 2013, o Brasil está no
último terço de 140 países em termos de competitividade na área de
impostos sobre as passagens aéreas e taxas aeroportuárias.
Mas
os problemas vão além de impostos e taxas. Por exemplo, o combustível
costuma representar em torno de um terço dos custos operacionais. No
Brasil, essa conta é de 43%. E eu fui informado por uma companhia aérea
aqui que, no caso deles, já alcançou 50%. A fórmula do governo para
estabelecer uma paridade dos preços da importação custa mais de US $ 400
milhões todo ano – e isso representa um imposto sobre a competitividade
global do Brasil.
Capacidade
A
disponibilidade de uma infraestrutura eficiente também é vital para o
atendimento às demandas da conectividade. Infelizmente, os muitos anos
de baixos investimentos já resultaram numa situação em que os aeroportos
não conseguem acomodar a demanda. Segundo o Fórum Econômico Mundial, o
Brasil ocupa o 131° lugar entre os 140 países, em termos de qualidade da
infraestrutura de seu transporte aéreo. O governo está ciente desse
déficit e já começou um programa ambicioso de concessões para a
iniciativa privada a fim de ajudar na solução do problema.
Nesse
meio tempo, a capacidade terá de ser gerenciada entre as empresas
aéreas que estão conectando o Brasil internamente e com o mundo. As
Worldwide Slot Guidelines (WSG) da IATA constituem o padrão da indústria
e são utilizadas para gerenciar a capacidade da pista de pouso e
decolagem em 165 aeroportos com restrições de slots.
Ficamos
gratos que o Brasil vá adotá-las na gestão do tráfego em 22 aeroportos
durante a Copa do Mundo, porque os aeroportos com restrições de slots,
no mundo inteiro, aplicam o WSG. Qualquer proposta local que desviar
delas exerce grande impacto sobre as operações das linhas aéreas e sobre
o planejamento das grades dos voos.
Por
exemplo, o Brasil está pensando em introduzir a pontualidade como
critério para a concessão de slots nos aeroportos. Já existem mecanismos
para tratar da pontualidade na WSG. Mudar a maneira com que a
pontualidade é tratada em um país apresenta o risco de criar problemas
para as empresas aéreas e os aeroportos em outros países.
Somos
gratos à Anac, que postergou a consideração de mudanças na WSG até
depois da Copa do Mundo. A IATA oferece todo o apoio à agência
reguladora para demonstrar como ela pode alcançar seus objetivos de
confiabilidade ao utilizar a WSG.
Meio ambiente
Também
podemos trabalhar juntos para lidar com o impacto da aviação sobre o
meio ambiente. Temos uma estratégia, e nossas metas são:
• Alcançar melhora de 1,5% ao ano na eficiência do combustível, até 2020;
• Reduzir as emissões até um crescimento neutro de carbono a partir de 2020, e
• Cortar emissões pela metade até 2050, em comparação com os níveis de 2005.
Que
saibamos, a aviação é o único setor a assumir tais compromissos no
âmbito global. As partes interessadas na aviação, muitas vezes às
próprias custas, empurraram o desenvolvimento e certificação de
biocombustíveis sustentáveis que são adequados para a aviação. Preciso
acrescentar que as empresas aéreas no Brasil são líderes nas atividades
em prol de biocombustíveis.
Infelizmente,
desde 2010, o Ministério Público do Estado de São Paulo já entrou com
ações judiciais contra mais de 35 empresas aéreas, alegando danos
ambientais ligados a suas emissões de CO2. Embora vários desses casos
tenham sido rejeitados, outros estão prosseguindo. Qualquer julgamento
contra empresas aéreas internacionais terá o potencial de afetar
seriamente o sistema de aviação brasileiro, dado o papel importante que
essas companhias desempenham em providenciar uma conectividade global
para o Brasil.
Tudo
indica que as empresas aéreas não estão violando nenhuma lei ambiental e
não existem bases para a imposição de medidas compensatórias para as
emissões de CO2.
Essas
ações ignoram os compromissos internacionais do Brasil, assumidos em
fóruns multilaterais, incluindo a ICAO. Elas também comprometem o papel
forte do Brasil em oposição às tentativas unilaterais da UE de impor seu
Emissions Trading Scheme sobre a aviação internacional.
Nós
damos boas-vindas aos pedidos recentes da Anac e ao governo federal
para intervir no processo legal como terceiro/corréu. A IATA está pronta
para trabalhar com o governo para encerrar esses casos de uma maneira
oportuna e satisfatória.
A Copa da Aviação
Finalmente,
quero falar um pouco sobre a Copa do Mundo. No mesmo ano em que estamos
comemorando o centenário da aviação comercial, o Brasil vai receber um
dos maiores eventos do mundo. A aviação não desempenhou um papel tão
vital em nenhuma outra Copa do Mundo, devido ao grande número de
cidades-sede, às grandes distâncias entre elas e à falta de opções de
transporte. Como resultado do papel da aviação na competição, algumas
pessoas a chamam de Copa da Aviação.
As
12 cidades-sede da Copa do Mundo de 2014 são responsáveis por 75% de
todo o transporte de passageiros no Brasil, portanto, dá para
compreender que a acomodação do tráfego adicional com o mínimo de
transtorno é um empreendimento de grandes proporções. O governo
manifesta confiança de que quase todos os aeroportos nas cidades da Copa
do Mundo estarão plenamente prontos. Nós entendemos que isso poderá
incluir instalações temporárias e de curto prazo, tal como foi feito
para lidar com grandes eventos em outros países.
Sei
que as empresas aéreas farão todo o possível para lidar eficientemente
com o tráfego adicional. Quase 2.000 novos voos serão incluídos na malha
de rotas brasileiras para atender às demandas dos torcedores, do dia 6
de junho a 20 de julho. É importante que as autoridades brasileiras
reconheçam o grande esforço que as companhias aéreas estão fazendo para
readaptar suas rotas em tempo recorde. Mas o que nos preocupa é a
aplicação de critérios que impõem responsabilidade às empresas aéreas
mesmo que nenhuma falha tenha ocorrido nas operações. Outro ponto tem a
ver com a maneira de acomodar os passageiros, no caso de cancelamentos
de voos, quando é bastante óbvio que existe uma grave falta de espaço em
hotéis e na infraestrutura aeroportuária.
A
IATA está pronta para dar assistência ao governo e a outros
interessados para ajudar na realização da Copa do Mundo, da perspectiva
da aviação. E mais: a IATA está estabelecendo uma mesa de ligação no
Centro de Comando da Decea/DGNA para ajudar na coordenação das
comunicações entre o controle de tráfego aéreo e os centros operacionais
internacionais das empresas aéreas durante a Copa do Mundo.
Conclusão
Nossa
indústria já avançou muito desde aquele primeiro voo comercial há 100
anos. O mundo, agora, é um lugar muito melhor para a aviação. E a
aviação está muito melhor pelos padrões globais que possibilitaram a
criação de um sistema mundial integrado. É importante, ao começarmos o
segundo século de serviços aéreos, que possamos dar nova ênfase sobre o
importante – e até único – papel que os padrões globais desempenham em
nossa indústria.
O
Brasil tem um legado especial na aviação, desde Alberto Santos Dumont.
Ao trabalharmos juntos, podemos garantir que esse legado seja honrado e
mantido durante o segundo século da aviação comercial.
*A
Associação Internacional de Transporte Aéreo (IATA) representa 240
companhias aéreas, compreendendo 84% do tráfego aéreo mundial.
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